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quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Lutero na análise de Marx

Segue abaixo parte de meu estudo acadêmico sobre a educação na perspectiva de Martinho Lutero. Mas o trecho aqui postado se relaciona mais à visão de Karl Marx sobre o reformador alemão. Bem é verdade que Marx pouco escreveu sobre Lutero, mas esse pouco é profundamente revelador (além de poético, diga-se de passagem).


Martinho Lutero e Karl Marx























Lutero na análise de Marx

A Reforma Protestante tem sido tema de estudo de diversas escolas teóricas, e lembrada por vários teóricos e pesquisadores, o que não poderia ser diferente, pois teve altas conseqüências no “tempo da humanidade” (MÉSZÁROS, 2007, pp. 34-35). Existem aqueles que partem apenas de pressupostos religiosos e desprezam o contexto sóciopolítico e econômico de então. E outros que apenas abordam a Reforma e suas conseqüências, numa ótica economicista.

Seria um grande equívoco não mencionar o escrito de Karl Marx sobre Lutero:


“Sem dúvida, Lutero venceu a servidão pela devoção, mas por que pôs no seu lugar a escravidão mediante a convicção. Abalou a fé na autoridade por que restaurou a autoridade da fé. Transformou os padres em leigos, mudando os leigos em padres. Libertou o homem da religiosidade exterior, fazendo da religiosidade a essência mais intima do homem. Libertou o corpo de seus grilhões porque com grilhões prendeu o coração”. (MARX, 2005, p. 152).


Não é pretensão desse trabalho discutir as análises materialistas e não materialistas. Mas devemos com clareza perceber que o que alguns marxistas pensam não é o que foi dito por Marx. E talvez esta pequena citação acima seja a prova de que Marx viu algo a mais na Reforma que apenas um movimento movido pelos fatores econômicos do capitalismo, sem nenhuma perspectiva sincera, filosófica, teórica, teológica, humanística, e até mesmo revolucionaria.


“A concepção marxista da Reforma pecou por anacronismo, ao transplantar para o século XVI as realidades e os conflitos do século XIX. Não conseguiu perceber as relações da fé e a mentalidade das massa naqueles tempos. Negar-se a ver nos debates outra coisa que epifenômeros, ‘florituras’, como escreveu Barbagallo, é negar-se a compreender fatos tão importantes como o de que 15.000 calvinistas se deixaram morrer de fome em La Rochelle, durante o assedio de 1628” (DELUMEAU, 1973, p. 189).


Muitas vezes a Reforma tem sido considerada meramente como aparelho de desenvolvimeto ou motivador do Capitalismo, entretanto esquece-se de que muito antes da Reforma o Capitalismo se desenvolvia vertiginosamente na Itália, região de controle do papado.


“Não foi por acaso que a economia monetária, a contabilidade, o sistema bancário, os primeiros embriões de racionalização e standardização de produtos e da distribuição tenham sido inventados e aperfeiçoados na Itália”. (KRIPPENDORFF, 1979, 51)


Krippendorff observa em História das relações Internacionais, que a dinâmica do capitalismo se inicia na Itália, e posteriormente passa para Espanha e Portugal. E estas três regiões, são as que menos se percebeu o sucesso da Reforma Protestante. Ainda que mais adiante Inglaterra e Holanda, abrigo da Reforma, tenham tomado a direção do capitalismo.

Na verdade, Krippendorff, chega a ver na Reforma Protestante um movimento anti-capitalista:


“A obtenção de recursos para o pagamento de dividas e juros levou às famosas ‘indulgências’ de 1516-1517, que viriam a desencadear o protesto de Lutero contra a corrupção temporal da igreja católica e do papado. O protestantismo e o reformismo surgiram assim como uma mistura original de um movimento de renovamento religioso, de primeiras formas de ressentimento anti-capitalista contra a corrupção eclesiástica, contra as grandes casas comerciais e banqueiros, bem como das aspirações da burguesia urbana e dos seus aliados, os monarcas e os novos estados territoriais, em se verem livres dos grilhões medievais ”. (KRIPPENDORFF, 1979, 62).


Portanto ainda que seja inegável fatores econômicos que favoreceram a expansão da Reforma, também é inegável que ela pensou socialmente, dentro do que seu tempo lhe permitia. E dessa percepção temos a primeira citação de Marx.


Lutero liberta os homens da servidão obrigatória e forçada dos condicionamentos impostos pela educação católica da época e os escraviza, pelo menos era esta sua intenção, na convicção, que só pode vir pelo esclarecimento, pelo estudo, pelo debate aberto, pela educação. Ele sempre supervalorizou a educação, priorizando-a, pois via nela o único meio de manutenção da Reforma.


“Ao contrário, nós precisamos de pessoas de verdade, que nos ofereçam a palavra de Deus e o sacramento e que sejam curas d’alma entre o povo. Mas de onde queremos tirá-los se descuidarmos das escolas e não criarmos outras, cristãs? Pois as escolas mantidas até agora, mesmo que não desapareçam, nada mais podem produzir senão aproveitadores pervertidos e perigosos.

É urgente que se faça algo sério e a tempo nesse sentido. Não apenas por causa dos jovens, mas também para preservar nossos estados clericais e seculares. Do contrario, se o deixarmos de fazer algo agora, não o poderemos fazer mais tarde, mesmo se quiséssemos”. (LUTERO, 2000, p.40).


E é justamente agindo assim que ele consegue abalar a fé na autoridade (da Igreja Católica e suas instituições, como as escolas) e restaura a autoridade da fé. Que, segundo ele esta acima do dogmas e imposições humanas.


Quando Marx afirma que Lutero transformou os padres em leigos, mudando os leigos em padres, temos especialmente aqui uma relação direta da educação da época, quando os padres (que eram na maioria das vezes os professores) eram pessoas sem nenhuma formação adequada para educar – leigos.


“Não é triste que até agora um menino tivesse que estudar vinte anos ou mais somente para aprender um latim ruim, suficiente apenas para tornar-se padre e ler a missa? Aqueles que chegaram a este ponto acham que são felizes. Bem-aventurada a mãe que gerou um filho desses. No entanto, continuou sendo uma pessoa pobre e sem cultura toda a vida, incapaz de chocar nem pôr ovos. Durante todo esse tempo, tivemos que nos contentar com professores e mestres desse tipo: eles próprios não sabiam nada e não eram capazes de ensinar nada de bom e decente. Também não conheciam os métodos de como aprender e ensinar. De quem é a culpa? Não existiam outros livros além desses loucos de monges e intelectuais papistas. O que se poderia esperar a não ser alunos e mestres abobados, como os livros que eles ensinavam? Uma gralha não gera uma pomba, e um bobo não dá origem a um sábio. Esta é a recompensa da ingratidão, porque ninguém se esforçou para criar bibliotecas. Mas perderam os bons livros e conservaram os inúteis”. (LUTERO, 2000, p.45).


Também é dessa situação critica que escreve Rabelais, Vives, Erasmo e outros.

A proposta educativa de Lutero para sua época, dava espaço para os leigos aprenderem, e se formarem, ainda que não nos parâmetros modernos de hoje, mas evidentemente já avançava em seu tempo.


Agora você alega: “quem pode dispensar seus filhos desse modo e transformar todos em aristocratas? Eles têm que cuidar do serviço em casa”, etc. Resposta: Ora, não acho que devam ser criadas escolas iguais àquelas que haviam até agora, em que um menino se ocupava vinte, trinta anos com Donato [lingüista romano do séc. IV] e Alexandre [franciscano normando do séc. XIII], sem ter aprendido nada. Hoje, o mundo é diferente, e as coisas são feitas de outro modo. Minha idéia é a seguinte: Os meninos devem ser mandados a essas escolas diariamente por uma ou duas horas. No entanto, devem fazer o serviço em casa, aprender uma atividade ou para aquilo que sejam encaminhados. As duas coisas devem andar juntas enquanto são jovens e podem dedicar-se a isso. Do contrário, gastam dez vezes mais tempo em jogos de bolinhas, jogar bola, corridas e lutas.

Também uma menina pode gastar diariamente uma hora para ir a escola e, ao mesmo tempo, cumprir perfeitamente suas tarefas domésticas. Seguramente ela gasta mais tempo com dormir, dança e jogar. O único problema é a falta de vontade e seriedade parta educar a juventude e ajudar o mundo com pessoas qualificadas. O diabo prefere grandes bobalhões e gente inútil, para que as pessoas não vão bem demais na terra. (LUTERO, 2000, pp. 38-39).


Dessa forma, pelo menos no que compete a educação e a pessoa de Lutero, Marx viu um grande potencial revolucionário, pois o reformador buscava libertar o homem da tradição, da imposição e buscava atingir o ser humano na consciência e no entendimento.



Bibliografia


LUTERO, M. Educação e Reforma. São Leopoldo, SP, Concórdia, 2000.

DELUMEAU, Jean. LA Reforma. Barcelona, editora Labor, 1973.

KRIPPENDORFF. Ekkeart. História das Relações Internacionais. Lisboa, editora Antídoto, 1999.

MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. São Paulo, SP, Boitempo Editorial, 2005.

MÉSZÁROS, Istvan, O Desafio e o Fardo do Tempo Histórico: O Socialismo do Século XXI. São Paulo, Boitempo, 2007.

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