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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Entrevista com Dr. Russell Shedd



Entrevista com Dr. Russell Shedd

Não é muito comum um líder religioso chegar aos 80 anos em plena atividade. Mais raro ainda é ter atravessado todo este tempo mantendo um ministério de visibilidade internacional. Agora, privilégio mesmo é poder ostentar uma reputação inabalada e manter-se como referência de conhecimento bíblico e saber teológico em idade tão avançada. Pois Russell Philip Shedd entrou para o rol dos octogenários em 10 de novembro passado com todas essas características. Missionário de origem americana, ele está radicado no Brasil desde 1962. Neste quase meio século, tem prestado decisiva colaboração à Igreja nacional, seja através de seus livros e trabalhos de cunho teológico, seja com suas pregações, conferências e palestras.

Shedd é um teólogo com grande preparo. Com apenas 20 anos, graduou-se no Wheaton College, nos Estados Unidos. Ali, especializou-se em hebraico e grego – línguas bíblicas cujo conhecimento considera fundamental para uma correta interpretação das Escrituras. Em seguida, tornou-se mestre em teologia e, mais tarde, doutor em filosofia e Novo Testamento pela Universidade de Edimburgo, na Escócia. Mas o saber não fez dele um acadêmico arrogante, desses que enxergam a divindade com a frieza dos livros. “O conhecimento não enfraquece a fé; pelo contrário, auxilia o nosso relacionamento com Deus”, afirma. “E ainda produz muita dependência dele também”. Para manter a comunhão com Deus, a receita desse veterano da fé é simples: “Acordo todo dia antes das cinco da manhã. Assim, é possível dedicar uma hora ou mais à leitura bíblica e à oração.”


Com vinte livros publicados, Russell Shedd é muito conhecido no Brasil como fundador de Edições Vida Nova, casa publicadora especializada em obras teológicas pela qual lançou a Bíblia Vida Nova em 1977, abrindo o mercado para a popularização das versões de estudo das Escrituras Sagradas. Foi também professor na Faculdade Teológica Batista de São Paulo durante 30 anos e pastor da Metropolitan Chapel, congregação fundada por ele na capital paulista, onde vive e permanece ligado à denominação Batista. Missionário jubilado, Shedd tem um padrão de vida simples, razão pela qual não aceita que o líder evangélico ostente riquezas. “Não creio que o ensinamento do Novo Testamento favoreça em algum momento o ato de esbanjar ou gastar somas grandes para provar que Deus nos tem abençoado”, comenta. O “senhor Bíblia” – como muitos o chamam, à sua própria revelia – concedeu esta entrevista a Cristianismo hoje.


O senhor tem um dos mais invejáveis currículos de formação teológica entre os líderes cristãos que atuam no Brasil. É difícil conciliar tanto conhecimento com a simplicidade de um relacionamento com Deus?

RUSSELL SHEDD
– Não, não acho difícil. O conhecimento não enfraquece a fé; pelo contrário, auxilia o relacionamento com Deus. E produz muita dependência dele também.

De modo geral, como é o nível do conhecimento do crente brasileiro acerca de Deus e de sua Palavra?

RUSSELL SHEDD
– Creio que um problema em diversas igrejas é a falta de ensinamento que explique mais detalhadamente a Bíblia toda. Por exemplo: quantos crêem num inferno eterno? E muitos crentes têm uma aversão contra a soberania de Deus, tal como a Palavra ensina.

Em 1962, quando o senhor chegou ao país, o panorama religioso nacional era completamente diferente do de hoje. Faça um paralelo entre a situação espiritual que encontrou naquela época e o que se vê atualmente.

RUSSELL SHEDD
– Uma das principais diferenças foi que, naquele início dos anos 1960, as igrejas tradicionais condenavam interpretações e práticas pentecostais, como dons de línguas, profecia e curas miraculosas. Tais manifestações eram consideradas quase como heréticas. Hoje, as igrejas mais tradicionais tendem a condenar a teologia da prosperidade e os ensinamentos dos neopentecostais por falta de base bíblica. Os seminários proliferam, embora o ensino bíblico, em muitos casos, seja bastante superficial. E o interesse em missões continua sendo muito precário.

Então, apesar da haver mais seminários, o panorama do ensino teológico no Brasil não é bom?

RUSSELL SHEDD
– Muitas igrejas montaram suas próprias escolas teológicas. Claramente, hoje temos muitas escolas sem professores treinados. O liberalismo teológico tem sido tirado de algumas escolas, enquanto em outras continua sendo uma opção que os alunos não têm habilidade para julgar ou avaliar. A leitura de autores como Tillich e Bultmann pode dar a idéia de que não há muita diferença entre o liberalismo e ortodoxia. Um bom número de autores teológicos modernistas está aí, no mercado editorial. Ao mesmo tempo, há um crescente número de excelentes opções de autores que abraçam firmemente a inspiração plenária das Escrituras e a ortodoxia tradicional.

O reconhecimento dos cursos teológicos evangélicos pelo Ministério da Educação [tema tratado em reportagem nesta edição] pode ser uma solução?
RUSSELL SHEDD
– Não acho que esse reconhecimento seja positivo, uma vez que os professores precisam adquirir graus de mestrado e doutorado, muitas vezes orientados por professores liberais. E a vantagem de fazer um curso reconhecido se perde na medida em que os pastores se tornam mais, digamos, profissionais.

Como um ex-editor, o que o senhor acha do segmento editorial evangélico hoje? A realidade do mercado sufoca a vocação ministerial?

RUSSELL SHEDD
– Não há dúvida de que, se não existir um mercado editorial, as editoras não podem sobreviver. Claro, elas também têm de ter um caráter de missão, para poder escolher títulos que o povo precisa ler. É óbvio que há muitos títulos no mercado que acho de pouca importância, mas isso não quer dizer que não haja muitos leitores que buscam informação e encorajamento nesses livros. Existe também uma outra questão. Algumas editoras evangélicas têm receio de publicar livros liberais, que poderiam destruir a fé dos leitores. Mas aquelas que publicam tais livros têm interesse no mercado e no aparecimento de outros autores “famosos”, mesmo que não sejam crentes evangélicos.

A popularização das Bíblias de estudo temáticas – como Bíblia da mulher, Bíblia das profecias, Bíblia dos pequeninos, Bíblia do executivo – tem beneficiado as editoras, que investem cada vez mais em novos lançamentos do gênero. Essa corrida pelo mercado é boa ou ruim?
RUSSELL SHEDD
– Não acho ruim, uma vez que qualquer ajuda que o leitor recebe dessas bíblias somente poderia trazer benefícios. Não seria o caso se as notas fossem tendenciosas, oferecendo interpretações falsas.

Na diversidade de versões e edições que hoje existem da Bíblia, qual deve ser o parâmetro de escolha do crente em termos de fidedignidade?

RUSSELL SHEDD
– O que importa é que a tradução escolhida não acrescente alguma idéia que o autor do original não tinha. Fidelidade na tradução sempre tem que reproduzir a idéia do original. Ela não pode incluir nem excluir algo que o texto hebraico ou grego diga.

O senhor é o presidente emérito de Edições Vida Nova, casa publicadora que ao longo dos anos tornou-se referência em obras de cunho teológico, e consultor da Shedd Publicações. Num mercado dominado por livros de cunho motivacional, a literatura teológica ainda encontra espaço?

RUSSELL SHEDD
– Graças a Deus, sim. As vendas de livros publicados pelas Edições Vida Nova, bem como de Shedd Publicações, têm aumentado ano a ano, juntamente como o crescimento do público evangélico.

O que deve ser feito pelas editoras para que as obras de conhecimento teológico não sejam apenas livros de referência para professores e estudiosos, mas também tenham apelo para o crente comum, o membro de igreja?
RUSSELL SHEDD
– Os editores estão de olho naquilo que vende. Eles sempre seguirão o que a pesquisa de mercado indica que será um sucesso. Mas para aproximar as obras teológicas dos leitores comuns será evidentemente necessário tornar esses livros mais populares. Por exemplo, os manuais bíblicos. Hoje existem manuais de todos os níveis.

Em seus livros O líder que Deus usa e A oração e o preparo de líderes cristãos, o senhor enfatiza a necessidade do caráter e do exemplo que o pastor deve dar às suas ovelhas. Qual sua impressão sobre a integridade pastoral hoje?

RUSSELL SHEDD
– Infelizmente, temos ouvido sobre casos tristes de quedas de líderes no adultério, no nepotismo e na corrupção. Os pecados que destroem o ministério do líder muitas vezes são esquecidos pelas igrejas, que acham que o pastor é um homem de Deus e não deve ser demitido por um “tropeço”, especialmente se for um líder muito popular. A verdade é que sempre tivemos quedas de líderes durante a história, mas parece que a integridade deles hoje sofre desgaste maior.

Como evitar a excessiva vinculação da congregação a seu dirigente, de modo que a eventual queda do líder não represente um golpe inevitável na comunidade?

RUSSELL SHEDD
– A queda de líderes muito proeminentes, isolados e sem o acompanhamento de bons auxiliares, torna-se um desastre para a igreja. Quando presbíteros e diáconos – ou seja, o segundo escalão na liderança da igreja – são muito responsáveis, acompanhando de perto o ministério do dirigente da congregação, é possível, em muitos casos, amenizar os efeitos de uma eventual queda.

Uma das expressões dessa concentração de poder nas mãos dos líderes é o uso de título eclesiais, como o de bispo ou apóstolo. Biblicamente, qual é a legitimação disso?

RUSSELL SHEDD
– O ensinamento de nosso Senhor sobre a necessidade de humildade e disposição de servir deve nos advertir sobre o perigo de procurar alguma autoridade que deve ser unicamente de Cristo. Não acho positiva a adoção de títulos que não sejam bíblicos. Bispo é um título bíblico, mas significa apenas “supervisor” e não alguém que domina a vida de outros líderes e pastores. Aliás, o único texto que menciona pastor humano no Novo Testamento é o de Efésios 4.11, onde o grego dá a entender que o pastor deve ser um mestre.

Já a nomenclatura apóstolo, a não ser em raros casos, refere-se às pessoas que Jesus apontou pessoalmente – razão pela qual Paulo argumenta, na sua primeira Epístola aos Coríntios, que viu o Senhor ressurreto e que Cristo apareceu para ele em último lugar. Já Filipenses 2.25 registra o termo “apóstolo” no original, fazendo referência a Epafrodito, que foi autorizado especificamente para levar os donativos da igreja de Filipos a Paulo. Logo, ele foi apóstolo da igreja de Filipos, tal como Barnabé e o próprio Saulo o foram da igreja de Antioquia.

Muitos dirigentes denominacionais justificam a própria opulência argumentando que a prosperidade financeira do líder é sinal da bênção de Deus. Isso tem base bíblica?
RUSSELL SHEDD
– Não creio que o ensinamento do Novo Testamento favoreça em algum momento o ato de esbanjar ou gastar somas grandes para provar que Deus nos tem abençoado. Jesus mandou o jovem rico vender o que ele tinha para dar o produto aos pobres. Fica evidente que o Senhor é completamente contrário a que os líderes gastem dinheiro em luxo ou desnecessariamente.

O que faz um líder cair e ficar pelo caminho, transformando seu ministério em motivo de escândalo?

RUSSELL SHEDD
– Creio que a falta de cuidado em buscar uma intimidade com Deus todos os dias, evitando a aparência do mal. Acredito que quedas ocorrem quando não achamos possível cair, ou quando ficamos seguros e até orgulhosos de nossa espiritualidade.

Quais têm sido as suas fontes de sustento ao longo desses anos todos?
RUSSELL SHEDD
– Nós chegamos de Portugal em 1962, sustentados pela Missão Batista Conservadora. Ao longo desse tempo, igrejas e crentes da América do Norte enviaram suas ofertas missionárias para manter nossa família [Shedd é casado com Patrícia e tem cinco filhos]. Hoje, esta entidade chama-se World Venture e continua sustentando missionários em muitos países do mundo. O nível de sustento é determinado pela missão de acordo com o custo de vida do país no qual o missionário vive. Desde janeiro de 2008, nossos recursos vêm do plano previdenciário Social Security e de uma aposentadoria fornecida pela própria missão. Não temos sofrido nenhuma falta.

Em sua opinião, por que entidades associativas de pastores e líderes, como a Associação Evangélica Brasileira (AEVB), enfrentam problemas de continuidade? Falta interesse dos pastores em participar desses movimentos associativos?

RUSSELL SHEDD
– Vários motivos explicam a falta de interesse em entidades associativas. Poucos acham importante, ou de grande benefício, esse tipo de associação. A maioria dos pastores estão tão ocupados com seus programas, planos e ministérios que não acham que vale a pena contribuir e trabalhar para alguma entidade além da própria denominação.

Em que o conhecimento das línguas bíblicas originais pode ajudar na prática da pregação?

RUSSELL SHEDD
– A importância de estudo das línguas originais reside no fato de que através dele se pode explicar melhor o significado que certos termos e frases tinham quando o autor escreveu o texto bíblico. A diferença entre as culturas bíblicas e a cultura ocidental em que vivemos hoje requer bastante cuidado para se entender a visão de mundo e os valores que regeram os escritos bíblicos. Além disso, as línguas originais ajudam chegar a conclusões mais seguras acerca do que dizem as Escrituras. Trabalhar com o texto original leva o pastor a pregar com mais cuidado e a poder afirmar: “Assim diz o Senhor”. Bons comentários também ajudam na tarefa de buscar o sentido do texto.

Essa falta de conhecimento é o motivo de tantas pregações superficiais?

RUSSELL SHEDD
– Não é apenas isso. Imagino que os pastores e professores de Escola Bíblica Dominical não têm tempo ou muito interesse em examinar as Escrituras para saber de fato o que o autor queria comunicar. Preferem usar uma hermenêutica que recorre a alegorias sobre o texto bíblico. Assim, é possível dar uma interpretação muito diferente daquela que a Bíblia ensina.

Qual o tempo adequado para o preparo de uma mensagem consistente?

RUSSELL SHEDD –
Varia muito. Alguns pregadores podem chegar à proposição, ou seja, ao ensinamento central do texto, com mais facilidade do que outros. Daí, procurar os argumentos dentro do texto que sustentem a proposição demora também. O professor Karl Lachler, que lecionou muitos anos na Faculdade Teológica Batista de São Paulo, dizia que uma hora de estudo por cada minuto de mensagem parece exagerado... Porém, aquele que estuda e medita para chegar ao cerne da mensagem do texto, além de buscar os argumentos dentro do trecho escolhido que comprovem essa proposição, pode gastar bastante tempo. Infelizmente, cuidado no preparo de mensagens que alimentem o rebanho e a realização de visitas para conhecer bem as vidas dos membros e confrontar aqueles que não estão obedecendo às ordens do Senhor têm sido práticas esquecidas em muitas igrejas. Pastores santos, crentes firmes na veracidade da Bíblia, com famílias ajustadas, que buscam ao Senhor com muita oração e fé, produzem igrejas de qualidade.

A Igreja contemporânea está sempre buscando novas formas de crescer, e muitas congregações recorrem a modelos empresarias de gestão e marketing. O que o senhor pensa de incorporação de tais elementos à obra de Deus?
RUSSELL SHEDD
– Não tenho nada contra o crescimento das igrejas, desde que ele não ocorra em detrimento da qualidade da formação dos membros na imagem de Cristo, conforme preconiza o texto de Romanos 8.29. Sou muito a favor do crescimento do número dos genuinamente convertidos e nascidos de novo. O problema surge quando, no interesse de aumentar o tamanho da igreja, deixa-se de lado a santificação dos membros. Ora, sem a santificação, conforme Hebreus 12.14, ninguém verá o Senhor! Ocorre que modelos de gestão eclesiástica não têm tido muito sucesso no discipulado e na formação de homens e mulheres de Deus. Uma igreja muito grande pode ter dificuldades em integrar os fiéis num plano de crescimento espiritual verdadeiro. Com o aumento do número dos membros, é muito fácil perder os indivíduos de vista. Além disso, numa igreja grande os crentes muitas vezes não se sentem responsáveis para servir, contribuir, discipular ou alcançar novos convertidos, especialmente se houver na comunidade líderes pagos para cumprir esse papel. Por outro lado, uma igreja grande tem recursos pessoais e financeiros para se comprometer com grandes projetos e muitos ministérios.

Então, qual deve ser o objetivo de uma igreja?
RUSSELL SHEDD
– O alvo bíblico descrito em Colossenses 1.28 – proclamação, advertência, ensino com toda sabedoria e entendimento espirituais – é o objetivo que todo pastor e igreja devem considerar como prioridade.

Na sua opinião, a mídia eletrônica é um bom púlpito?
RUSSELL SHEDD
– A televisão pode, sim, ser um bom canal para se explicar o Evangelho. Mas ela tem sérias deficiências também: as pessoas não são discipuladas se não se tornam membros ativos da família de Deus. Um compromisso muito sério com uma igreja local que ensine a Palavra de Deus com autoridade é o caminho do discipulado e do crescimento espiritual.

De alto de sua experiência, o que o deixa preocupado em relação ao futuro da Igreja brasileira?

RUSSELL SHEDD
– A minha preocupação se concentra na qualidade espiritual da liderança e dos membros das igrejas. É assustador ver a quantidade de divórcios que ocorrem hoje entre casais evangélicos e a falta de integridade por parte dos líderes. Também fico muito preocupado com a proliferação de ensinamentos que não são bíblicos, como a teologia da prosperidade, que nega a necessidade de o crente negar-se a si mesmo, tomar a sua cruz e seguir a Jesus.

Qual a sua compreensão acerca do que seja um avivamento?
RUSSELL SHEDD
– O avivamento tem algumas evidências. Uma delas é quando o Senhor e sua Palavra têm mais importância do que o dinheiro ou qualquer outra coisa material. Avivamento cria arrependimento profundo pelos pecados cometidos e muita alegria no Senhor ao reconhecer seu perdão. Para uma Igreja avivada, o evangelismo se torna algo natural e as missões transculturais, uma prioridade, uma vez que Jesus mandou seus servos fazerem discípulos de todas as nações.

Logo, ao contrário do que se diz, a Igreja brasileira hoje não experimenta um avivamento?
RUSSELL SHEDD
– Não acredito que o que acontece hoje, com o rápido crescimento da Igreja, seja um avivamento de verdade. O que eu vejo é que falta temor do Senhor, arrependimento profundo e interesse por missões.

O senhor é filho de missionários americanos que aqui chegaram na primeira metade do século passado, época em que obreiros estrangeiros tinham grande influência no Brasil. Hoje em dia, sendo o país uma potência evangélica, ainda há espaço para eles?

RUSSELL SHEDD
– De fato, a influência de missionários estrangeiros aqui é cada vez menor. Mas ainda há áreas em que obreiros vindos de fora poderiam ser úteis, como no preparo para as missões transculturais. O treinamento em determinadas áreas, como antropologia, linguística e informação acerca de povos não alcançados continua sendo uma área em que os missionários estrangeiros podem ser muito úteis à Igreja brasileira.

Pode-se dizer que já existe uma teologia genuinamente nacional?
RUSSELL SHEDD
– Creio que teologia nacional, brasileira, seria aquela alicerçada em nossa história e cultura. Não acho que poderia encontrar uma visão como essa bem divulgada no Brasil. Ainda há muita dependência dos livros estrangeiros e de modelos de igrejas que tendem a copiar o que se faz em outros países.

Do que o senhor sente falta na Igreja de hoje e que já viu em outros tempos?
RUSSELL SHEDD
– De um lado, mais ensino da Palavra, mais preocupação com santificação e mais investimento em missões transculturais. De outro, uma Escola Dominical mais forte, uma hinologia alicerçada na teologia bíblica e mais livros de ensino sério.

Fonte: http://www.vidanova.com.br

terça-feira, 28 de setembro de 2010

A fé que encobre os erros






“Escritores britânicos planejam pedir prisão do papa”


“Os escritores Richard Dawkins e Christopher Hitchens, dois importantes ateus britânicos, planejam uma emboscada legal para prender o papa Bento 16 durante sua visita à Grã-Bretanha por ele ter, supostamente, encoberto casos de abuso sexual ocorridos em instituições da Igreja Católica. Os escritores afirmam que o papa deve ser detido quando visitar a Grã-Bretanha em setembro e que o pontífice deve ser julgado por ‘crimes contra a humanidade’.

A dupla acredita que pode usar o mesmo princípio legal usado na prisão do ex-ditador chileno Augusto Pinochet quando ele visitou o país em 1998. O papa estará na Grã-Bretanha entre os dias 16 e 19 de setembro, quando visitará Londres, Glasgow e Coventry, onde vai beatificar o cardeal John Henry Newman, um teólogo do século 19.

O Vaticano disse que o papa é imune a processos porque é um chefe de Estado, mas Dawkins e Hitchens afirmam que ele não poderá pedir imunidade diplomática porque, embora sua viagem seja classificada como uma visita de Estado, ele não é o chefe de um Estado reconhecido pela Organização das Nações Unidas.

Eles pediram aos advogados Geoffrey Robertson e Mark Stephens que preparem as justificativas para a ação legal. Stephens disse que uma opção para Dawkins e Hitchens é fazer um pedido de detenção ao Tribunal Penal Internacional. Dawkins, autor de "Deus: uma ilusão", disse que o papa é um homem cujo "primeiro impulso", quando descobriu-se que os padres haviam abusado de crianças, foi "encobrir o escândalo e condenar as jovens vítimas ao silêncio". As informações são da Dow Jones.” (do site www.estadao.com.br)


***


Pra refletir: A fé que encobre os erros!



A noticia acima já é antiga, (abril de 2010), porém, ilustra uma realidade que se perpetua. Os ícones religiosos parecem serem intocáveis. Não importa se é uma personalidade católica ou protestante, geralmente, os escândalos são abafados e varridos para de baixo do tapete da “fé” cega, nos homens, e não em Deus. No Brasil, famosos bispos, apóstolos e políticos evangélicos já foram pegos em situações constrangedoras (alguns até chegaram a serem presos ou denunciados e processados), porém “miraculosamente” viraram o jogo, e passaram de réus a vítimas, se encarnando como supostos mártires da atualidade, e quem teve fé neles creram que eram santos e assim como na crença católica, possuidores da graça da impecabilidade papal. Suas igrejas continuam lotadas, os fiéis contribuintes continuam dando suas ofertas, suas marchas religiosas continuam atraindo mais e mais pessoas, e os políticos seguem recebendo votos pelo simples fato de serem evangélicos (santos e impecáveis). Não importa a vida que levam, os títulos de pastores, bispos e apóstolos os canonizaram, são ungidos, inquestionáveis e, toda noticia contrária é perseguição ou artimanha do diabo!


Desperta igreja! Todo líder espiritual tem possibilidade de pecar, porém, não deve persistir no erro e muito menos deixar de tomar o caminho de reconhecer seus pecados, pois “Deus resiste ao soberbo, mas dá graça aos humildes”. É chegada a hora de buscarmos uma fé racional, que não seja tão cega, mas biblicamente reflexiva, evangelicamente crítica. Se qualquer liderança cristã erra, mas se passa por perseguido, lhe cabe devidamente a alcunha de lobo em pele de ovelha.


Uma fé cega não leva a Deus, só a uma vida trilhada pelas veredas da ilusão, que um dia desembocara na perdição eterna, pois quando um cego guia outro cego, disse o mestre Jesus, ambos cairão na cova! (Mateus 15.14)

Entretanto, uma fé racional, é o caminho para um avivamento genuíno, que faça a justiça e a verdade serem bandeiras da causa cristã, nem que para isso “o juízo comece na casa de Deus” (I Pedro 4.17)


terça-feira, 21 de setembro de 2010

Entrevista com Eduardo Galeano


Eduardo Galeano


Eduardo Galeano: Veias continuam abertas na América Latina


Entrevista concedida os jornalistas Mário Augusto Jakobskind, Maria Luiza Franco e Claudia de Abreu.


“As veias abertas na América Latina” estão mais abertas ainda do que há 37 anos atrás quando você escreveu esse trabalho, ou não, o que mudou?
Galeano: Estive há pouco tempo, duas semanas, em Buenos Aires, parte da minha família está lá, eu estava caminhando, feliz, quando encontrei o Conde Drácula, tinha chegado da Transilvânia, estava recém chegado e eu achei ele estragadíssimo, não o reconheci. Mais morto do que vivo. Olhando o chão, caminhando com dificuldade, acabado o coitado do Conde Drácula. Aí perguntei para ele: o que acontece com você, Conde?. E respondeu: olha, estou aqui.., fazendo o quê?, procurando um psicanalista. Dizem que aqui tem os melhores do mundo, olha, não sei se tem os melhores, mas tem muitos. Qualquer casa dessa, cada campainha tem um psicanalista. Mas para que você precisa de um psicanalista, Conde Drácula? - Eu tenho complexo de inferioridade incurável, mas vou tentar com ele, se alguém pode me salvar - Complexo de inferioridade por que, Conde? - Porque eu vejo como é que agem hoje as grandes corporações multinacionais, esses sim que são autênticos sanguessugas, isso eu fico... sei lá, achando que tem uma crise de identidade, de auto-estima.


Agora, você percebe que as veias estão mais do que escancaradas na América Latina, você percebe que essa realidade é uma realidade que extrapola a América Latina? Essa realidade de que cada vez mais a América Latina está arrombada por essas empresas, por essas corporações, isso é um problema hoje que está percorrendo o mundo inteiro, ou está especificamente na América Latina?
Galeano: Não, é universal. Só que esse mundo que diz que é democrático, não é muito democrático; ele esconde diferenças que vão crescendo a cada dia, ano atrás ano, o norte e o sul. Mas que se abre com uma tesoura, vai abrindo, abrindo, a distância dos que têm e dos que precisam. Os que precisam são cada vez mais; os que têm, cada vez menos. E essa é a organização mundial. (risos) Não é um privilégio da América Latina ter essas injustiças terríveis. O mundo é muito injusto, é muito pouco democrático.


Você acha que precisa se discutir a democracia?
Galeano: Democracia é um tema possível; no mundo de hoje se fala o tempo todo em democracia. O mundo democrático... Democrático não é; se é, eu tenho as minhas dúvidas. Veja você, tem esse super governo agora agindo no mundo. Perdão. Os governos latino-americanos continuam sendo governos governados. Governados pelos super-governos que estão aí agindo internacionalmente. Todos têm nomes, internacional, mundial. Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, o que não expressa o conjunto de países. As decisões são tomadas por cinco países, sobretudo por um, que tem direito de veto.


Em relação às veias abertas, queria lembrar a questão do petróleo e a diferença de tratamento entre os governantes da América Latina. Por exemplo, o Chaves e o Morales usando o petróleo em defesa da soberania de seus países, e aqui no Brasil a gente tem leilão de petróleo. Queria que você comentasse um pouco isso.
Galeano: A idéia é que... eu lembro que neste país, o Brasil, aquele grito “o petróleo é nosso” virou um lema nacional lindíssimo, de afirmação nacional, de dignidade em defesa dos recursos naturais do país. Foi o símbolo do nacionalismo brasileiro. Entendi no sentido positivo da palavra nacionalismo, como afirmação de dignidade de fato. Agora, quando esse mesmo exercício de dignidade nacional está vivo na Bolívia, por exemplo, o Brasil deveria aplaudir. Em parte, o exemplo brasileiro está sendo seguido por outros países vizinhos. Em vez de se escandalizar, ou achar que os bolivianos estão agindo contra a Petrobras, e não sei o quê, o Brasil deveria aplaudir, dizer: “muito bem, vocês estão bem, estão aprendendo a dura lição da história.


Mais do que refúgio, você não acha que a literatura pode ser um meio de transformação coletiva?
Galeano: Também. Eu acho que sim, que pode, na medida que a palavra seja capaz de continuar viva naquele que a recebe. Quer dizer, que se transforme. O leitor perfeito para mim. O meu grande amigo que foi Júlio Cortazar falava do leitor passivo, e eu nunca concordei com ele. O leitor é o leitor ativo, que recebe. São palavras que depois ficam sendo diferentes porque vão se transformando dentro do leitor. Então o leitor, a partir dos livros, um texto qualquer, aquela coisa trabalha dentro dele, vai alimentando a sua imaginação, a sua consciência, a sua capacidade de alegria e de dor também, de pensar, de sentir. Eu acho que sim, que a palavra pode ter um certo poder transformador. Não vai mudar o mundo, mas sempre tem influência grande. Os grandes livros de maior influência no mundo estão aí para demonstrar que a palavra não é inútil. A Bíblia, o Alcorão, O Capital, sei lá quantos.


Qual você acha que é o papel do intelectual hoje, na América Latina?
Galeano: Não sei. Eu nunca contesto esse tipo de programa porque quem sou eu para decidir o papel do intelectual. Eu só sei o que eu sei. Sempre que eu estou habitando uma realidade maravilhosa e horrorosa, que merece ser contagiada, que merece ser transmitida, comunicada. Você precisa chegar mais lá, no passado, no presente. Passado também, história real e uma história mentida, uma história que não está assim visível. A história oficial é uma coleção de mentiras, onde há heróis dizendo grandes frases que não são a verdade dos tempos passados. Por quê? Porque a palavra que vale a pena escutar é a palavra dos desprezados. Tenho muitos bons amigos, intelectuais, que têm uma certa tendência a acreditar que o povo é mudo. Não se fala daquele que não tem voz. Voz temos todos. Todos temos alguma coisa digna que merece ser oferecida aos outros. Alguma palavra que mereça ser dita, alguma palavra que mereça ser escutada, celebrada ou ao menos perdoada. Então o problema é saber escutar para saber falar. Sempre digo, é condição essencial escutar as vozes, as vozes jamais escutadas. São as vozes verdadeiras. Aí você soma o passado latino-americano, ditado pelos machos, pelos brancos, pelos militares, e pela elite dominante. 5, 10, 50 pessoas. Então, a realidade de verdade é para mim uma fonte de tentação contínua. Que boa coisa para ser contatada..., que boa energia para ser comunicada, e a que vem dos outros, não escutados, das mulheres, dos negros, dos índios, dos pobres, dos civis. Daqueles que não estão, que não figuram aí. Nós pertencemos a nações que nasceram mutiladas. Então, elas têm uma cultura passada, literatura, que também está mutilada. Tenho a modesta intenção de contribuir na recuperação dessas vozes perdidas.


Outra questão que a gente sempre discute, nós jornalistas e escritores, no mundo da comunicação: como você vê hoje a mídia na América Latina, essa, que tem até a sigla, Sociedade Interamericana de Imprensa, a todo momento fala que defende a liberdade de imprensa, etc e tal, como você vê esse quadro atual?
Galeano: Sim, uma coisa é liberdade de imprensa, uma outra é liberdade de empresa. Uma coisa é liberdade de expressão e a outra diferente, às vezes até inimiga da liberdade de expressão, é a liberdade de pressão. Essa liberdade de pressão é exercida pelas grandes empresas dominantes nos meios de comunicação. Aí é preciso descobrir qual é a verdade das mentiras que cotidianamente recebe. Como aquele general mexicano, Serrano, lá pelos anos 20, ele lia o jornal ao avesso. O presidente da época, viu ele lendo o jornal ao avesso e disse: Mas general, como é que você lê o jornal assim, ao avesso, sempre?. E o militar respondeu: sempre. Como assim? Por quê? - Resposta: por experiência, por experiência.


E como fazer o controle social da mídia sem fazer censura, por exemplo? Porque é isso que os empresários falam, todo e qualquer controle, qualquer reivindicação da sociedade é tratada como se fosse um problema de censura, que querem censurar determinadas coisas, como não cair nisso?
Galeano: O controle é necessário hoje, mais do que nunca é necessário ampliar os espaços de comunicação alternativos. Na verdade, por exemplo, o desenvolvimento da Internet penso que foi muito positivo, porque permitiu que algumas vozes condenadas ao silêncio perpétuo pudessem ser escutadas além dos limites mesquinhos da mídia dominante. Eu tinha preconceitos contra internet, devo admitir isso. Mas agora estou reconhecendo.


Se adaptou...
Galeano:
Não. Eu não me adaptei a nada, mas eu reconheci, eu acho que a realidade... A coisa está em ser capaz de ver as coisas como são, e não como a gente acha que são. Aquela deformação típica que diz: se a realidade não é como eu acho que é, então ela não me merece. Ela que tem que mudar para se adaptar a minha visão dela. Então essa não é minha maneira de ver as coisas. Eu tinha preconceitos contra a internet, depois eu estive vendo que a internet abriu espaços muito importantes, e isso é uma fonte de esperança no mundo de hoje, porque a internet nasceu sendo um instrumento militar, um instrumento de morte. E foi criada na Universidade de Berckley, na Califórnia, mas ao serviço das necessidades do Pentágono na planificação universal da morte, das atividades de guerra militar. E virou uma coisa muito diferente, que abre espaço de vida importantíssimo. É um paradoxo que eu acho que é uma fonte de esperança. Nem tudo vai sendo pior do que era. Tem coisas que às vezes a gente tinha, como no meu caso, preconceito e são preconceitos da minha natural anárquica resistência às máquinas. Porque eu acho que máquinas, o computador, televisor, todas as máquinas bebem de noite, quando ninguém está vendo, aí elas bebem e depois durante o dia fazem coisas inexplicáveis. Disso eu tenho provas científicas...


Você falou da Internet. Você acha que caberia hoje a edição de jornais impressos de esquerda que façam frente a esse discurso repetitivo que está todo dia nas bancas, e que na verdade tem formado esse leitor, esse cidadão, você acha que cabe um jornal?
Galeano: Agora a influência dos jornais é muito menor do que era há 20 anos, 30 anos. Tem mais influência, eu acho, a televisão, do que a imprensa escrita, na hora de decidir qual seria o meio melhor para ampliar o público, para redescobrir o arco-íris, todas essas coisas maravilhosas que estão aí esperando para ser despertadas. E tem esses meios alternativos novos, como a televisão comunitária. Eu acho que esse é um dos meios melhores, mais importantes para que o povo possa se expressar, para que a expressão venha de onde deve vir, de dentro, de baixo, não de cima, de fora. Essas pressões que vêm de cima e de fora são partes de uma alienação cultural que acha que tudo aquilo de importado vale. Tudo aquilo que é nosso, mas é qualquer, não vale nada, é um lixo. Então eu acho que o desenvolvimento das rádios comunitárias, das televisões comunitárias e dos espaços alternativos na rede de internet, as boas notícias no mundo que apareceram nesses 15, 20 anos, com muita força, é uma fonte de esperança de dizer: Não estamos condenados a ver a nós mesmos com os olhos daquele que nos despreza, que nos explora, que nos humilha. Eu dirigi em Buenos Aires, nos primeiros tempos do meu exílio, uma revista cultural que se chamava Crisis. Foi uma experiência interessantíssima porque a tradição, ao menos no mundo da língua espanhola, ensinava que uma revista cultural não pode vender mais que 500 mil exemplares. Pode sem, em caso excepcionalíssimo, que você coloca uma mulher nua na capa e consegue vender 2 mil. E nós chegamos a vender 25 mil. O que era incrível. E a chave do sucesso dessa publicação na Argentina, uma publicação que expressava a cultura latino-americana viva, e que não só era um meio de difusão das palavras dos artistas, dos poetas, dos escritores, mas era também um meio de comunicação direto. Nós pegávamos a palavra, procurávamos como que a gente se expressava. Até nos grafites e nas paredes, que são a imprensa dos pobres, também uma maneira de expressão. Escutar a voz, escutar, para ser capaz de falar; primeiro, escutar...


Agora, você não vai discordar que nós, a sociedade brasileira, a sociedade latino-americana basicamente é áudio-visual. Então nesse sentido, além do jornal impresso, deve-se destacar a importância de se ocupar o espaço nos veículos eletrônicos. O sistema digital, por exemplo, que pode ser uma revolução na comunicação com a multiplicação do número de canais de rádio, tv, só que as decisões estão sendo tomadas no sentido oposto. E no Uruguai também está se discutindo isso hoje?
Galeano: Não, está se tentando ampliar a comunicação, nós estamos ainda muito ligados a opiniões tradicionais. Eu trabalho junto com o Zibechi, escrevendo, publicando. Mas o que eu acho necessário é que fique claro que uma coisa são os meios e outra coisa os fins. O que é desejável é que em nossos fins fossem encontrados meios adequados para se expressar e chegar a maior quantidade de pessoas. Mas que nenhum meio de expressão está por cima dos outros. Nenhum meio é melhor do que os outros. Depende do momento e do lugar. E eu digo isso confessando que eu sou absolutamente pré-histórico. Eu escrevo à mão, eu não sei conduzir um carro, eu sou um desastre. Tenho essa desconfiança com as máquinas, sou completamente inútil. Para mim é um milagre divino quando puxo um botão e a luz do quarto se acende. Eu sou um desastre, um paleolítico. O que eu não posso é transmitir essa limitações aos demais como se fossem uma certeza absoluta, dizendo: olha, a única boa forma de expressão é a minha, que é a escrita. O único meio possível de respostas a esse monopólio da informação e da opinião, dos grandes fabricantes universais da opinião e da informação é um novo jornal, ou um jornal alternativo, não quero fazer isso. Eu quero ter a maior amplitude possível.


Você é um escritor, não pode ter certeza.
Galeano: Não, não, porque as dúvidas... Eu desconfio muito dos que têm só certeza. Eu só acredito nas certezas que nascem das dúvidas. Quer dizer, as certezas que cada manhã, junto com o cafezinho, recebem, se alimentam das dúvidas. Então tenho certeza que são certezas certíssimas às 8 da manhã, 10; à 1 da tarde eu acho que não acredito muito nisso, não, mas às 3 me recupero. Eu estou continuamente desafiado pelas minhas dúvidas. E tenho uma desconfiança dos caras que só têm certezas, certezas absolutas. Porque esses caras depois, um dia, chegam ao poder e fuzilam meia humanidade, sobre aquele que não comparte da certeza dele, passa a ser um pecador. Vai para o fogo.(risos)


Eduardo Galeano, há 5 anos houve o atentado do World Trade Center, como você está vendo, hoje, o mundo com Bush, esse mundo e nossa América Latina? Se nós corremos realmente perigo de continuar nesse estado de coisa; e outra questão, Oriente Médio... tivemos aí nesse confronto entre um estado e uma milícia armada, e quando se critica o Estado de Israel, você inclusive foi signatário do manifesto denunciando as atrocidades israelenses no Líbano, e todo crítico é chamado de anti-semita. Como você vê...?
Galeano: Do meu ponto de vista, o pior atentado que o mundo sofreu nesses últimos anos não foi a derrubada das torres gêmeas em Nova Iorque, mas a idéia da guerra no Iraque. Uma guerra que já matou, segundo as estatísticas oficiais, 50 mil civis. A maioria deles mulheres e crianças. Esse foi e continua sendo o pior atentado terrorista. O terrorismo de estado é muito mais perigoso do que o terrorismo do maluco privado; aquele fanático religioso promove um dano minúsculo comparado com a estrutura do poder terrorista do mundo. Esse é um mundo, que não é só um manicômio, é também um matadouro. Cada dia esse mundo está gastando 2 bilhões e 500 milhões de dólares na indústria da morte. Ou seja, na indústria militar. Então o mundo é um mundo terrorista. Os donos do mundo estão exercendo o terrorismo. E precisamos desses outros terroristas como Bin Laden, que são caras fabricados por eles para justificar a existência dessa estrutura internacional de poder consagrada à morte.


[Texto publicado na versão impressa de Poiésis - Literatura, Pensamento & Arte, nº 130, janeiro de 2007, pág. 6 e 7]

Fonte: www.jornalpoiesis.com


terça-feira, 14 de setembro de 2010

PERDÃO NAS PERSEGUIÇÕES - LUIZ XIV


PERDÃO NAS PERSEGUIÇÕES - LUIZ XIV



Entre os quinhentos mil huguenotes exilados na Holanda pela persegui­ção de Luiz XIV, encontrava-se Sawin, um grande pregador. Em um de seus sermões da série publicada em seis volumes, referiu-se ele ao seu perseguidor nos seguintes termos, que bem revelam a nobreza do cristianismo:

DOCUMENTO

"E tu, terrível príncipe, que uma vez honrei como meu rei e que ainda respeito como azorrague nas mãos do Todo-Poderoso Deus, tu terás uma par­te nos meus melhores votos! Estas províncias que tu ameaças, mas que o bra­ço de Deus protege; este país, que encheste de refugiados, mas fugitivos ani­mados pelo amor; estas paredes, que contêm mil mártires feitos por ti, mas aos quais a religião torna vitoriosos; todos estes ainda ressoam bênçãos em teu favor. Permita Deus que a venda fatal, que esconde de teus olhos a verda­de, possa cair. Que Deus esqueça os rios de sangue com que inundaste a ter­ra, os quais o teu reino fez que fossem derramados. Que Deus apague do seu Livro as injúrias que nos fizeste e, enquanto recompensa os sofredores, que perdoe aqueles que nos causaram tanto sofrimento. O Deus que te fez um mi­nistro dos seus juízos para nós e para toda a Igreja faça-te um despenseiro dos seus favores, e um administrador da sua Graça."


Natanael de Barros Almeida. Coletânea de Ilustrações para Pregadores. Edições Vida Nova.


***


Nas perseguições religiosas do século XVII – XVIII, os cristãos franceses conseguiram por em prática o Evangelho que diz:


“Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem;

para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos.

Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo?

E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo?” (Mateus 5. 44 - 47)


Será que hoje nós temos feito o mesmo?


Será que no lugar de agirmos como Cristo, que no Calvário perdoava os seus agressores, não temos nós, antes, de acordo com a maldita Teologia da Prosperidade, invocado e despertado rancor, ira e maldições contra os nossos adversários reivindicando textos (fora do contexto) que dizem que nossos inimigos fugirão de nós feridos por sete caminhos diferentes?!


Falta-nos a vida conforme o evangelho que fluía em Estevão:


“E, lançando-o fora da cidade, o apedrejaram. As testemunhas deixaram suas vestes aos pés de um jovem chamado Saulo.

E apedrejavam Estêvão, que invocava e dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito!

Então, ajoelhando-se, clamou em alta voz: Senhor, não lhes imputes este pecado! Com estas palavras, adormeceu.” (Atos 7. 58 – 60)


Alexandre L M Brandão

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Ilustração - Atração por Jesus


Orfeu rodeado de animais, Museu Cristão-Bizantino, Atenas


ATRAÇÃO POR JESUS

Ilustração

Na primeira arte cristã, Jesus é representado nas Catacumbas como o Orfeu grego, [não se refere a imagem acima, mas a outra desenhada nas catacumbas] com a lira na mão, atraindo todos a si pela magia de sua fascina­ção. Estes primitivos cristãos, no seu erro de tentar representar Cristo ao mundo, nos moldes do paganismo, escolheram a figura atrativa do músico que, com sua lira, atraía a todos. Não há dúvida de que a história de Orfeu é uma das mais belas da terra helênica. Era ele o maior dos músicos. Tocava tão maravilhosamente que quando seus dedos dedilhavam aquelas cordas, as bes­tas selvagens mansamente se aproximavam, os pássaros se detinham no vôo, a natureza inteira silenciava para ouvi-lo. Assim foi o pensamento cristão pri­mitivo acerca de Cristo, por seu poder de atrair a si os homens.


Natanael de Barros Almeida. Coletânea de Ilustrações para Pregadores. Edições Vida Nova.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Trata-se de um negócio de Deus


Trata-se de um negócio de Deus


DOCUMENTO


Discurso do papa Urbano II convocando os cristãos a participarem das Cruzadas.

“Após ter prometido a Deus manter a paz em suas terras e ajudar fielmente a igreja a conservar seus direitos, vocês poderão ser recompensados empregando sua coragem noutro empreendimento.

Trata-se de um negócio de Deus. É preciso que sem demora vocês partam em socorro de seus irmãos no Oriente (...). A todos que partirem e morrendo no caminho, em terra ou mar, ou perderem a vida combatendo os pagãos, será concedida a remissão dos pecados (...) que sejam doravante cavaleiros de Cristo (...).”


Para refletir


O MERCADO DA FÉ EVANGÉLICO




Entre os séculos XI e XIII a Igreja Católica (em conjunto de nobres europeus) empreendeu oito Cruzadas, isto é, expedições militares que partiam do Ocidente (Europa) rumo à região da Palestina, buscando libertar as regiões sagradas (especialmente Jerusalém) do domínio mulçumano.

Para conquistar os fiéis, o papa Urbano II, fez o discurso que está acima.

Os cristãos deveriam deixar casa, bens e familiares para traz e partirem para uma causa que, segundo o papa, lhes traria o favor de Deus. Os obedientes ao chamado, mesmo que morressem, teriam o perdão dos pecados. Apesar dos sacrifícios serem grandes (muitos morriam no caminho, outros ficavam prisioneiros dos mulçumanos), a ordem deveria ser cumprida, pois “Trata-se de um negócio de Deus”.

Claro que essas idéias medievais já têm cerca de 1000 (mil) anos, e o papa João Paulo II no ano 2000 pediu perdão pelas Cruzadas. Porém, a idéia de conquistar o público fiel, alegando que “trata-se de um negócio de Deus”, é a moda (já antiga) de grande parte do círculo (ou seria circo?!) evangélico (especialmente o neopentecostal e midiático televisivo).

Basta ligar a televisão para o espectador ficar confuso com “tantos negócios de Deus”. Em um programa alguém pede pra enviar uma “semente” de 610,00 reais, já em outro um apóstolo prega que “o negócio de Deus” é uma garrafa de água ungida de 100,00 reais, ai em outro canal existe uma fogueira que é santa. E todos afirmam que o que fazem é um negócio de Deus. Os fanáticos e aqueles que não têm senso crítico, mas que são levados por todo vento de doutrina, não enxergam tamanha mentira que é feita usando o nome de Deus, e o verdadeiro negócio é humano e nada tem de evangelho.


Já foi se o tempo em que um verdadeiro líder da Igreja diria que o negócio de Deus é:


“vende tudo quanto tens, reparte-o pelos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me.” (Lucas 18.22)


Ou...


“pregai, dizendo: É chegado o Reino dos céus. Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os demônios; de graça recebestes, de graça dai.” (Mateus 10.7 e 8)


Ou ainda, que alguém, assim como Pedro fez diante daquela que quis por dinheiro conseguir algo de Deus diga:


“Mas disse-lhe Pedro: O teu dinheiro seja contigo para perdição, pois cuidaste que o dom de Deus se alcança por dinheiro”. (Atos 8.20)


Pedro não caiu na tentação de usar o nome de Deus para fazer seus próprios negócios, pois ele mesmo aprendera com Jesus que, o que de Graça recebemos de Graça deverá ser dado.


Por isso este mesmo Pedro, não precisando de garrafas ungidas, fogueiras santas, ou de sementes de dinheiro, disse a certo paralítico que estava na porta do Templo:


“Não tenho prata nem ouro, mas o que tenho, isso te dou. Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda.” (Atos 3.6).


Hoje, de acordo com os negociadores da fé, o paralítico deveria enviar para uma conta corrente a quantia de $$, mas como ele era mendigo, provavelmente continuaria sem atenção e socorro.


Já o Simão da história der Atos 8 (aquele que queria comprar o dom de Deus) este seria bem aceito, seria um Gideão da fé, um semeador abençoado que crê nos profetas de Deus e por isso prosperaria (depois do profeta, claro)

Infelizmente para o Simão, o apóstolo Pedro não era um negociador, só um doador da graça de Deus.


E...


Infelizmente para nós, hoje existem mais negociadores de Deus do que doadores do amor de Cristo!


Com Cristo,

Em Cristo e

Para Cristo.


(Alexandre L.M Brandão)








quinta-feira, 2 de setembro de 2010

PAI NOSSO QUE ESTÁS NOS CÉUS



PAI NOSSO QUE ESTÁS NOS CÉUS

Charles Allen - texto do livro "A Psiquiatria de Deus"


Jesus disse para iniciarmos a oração assim: “Pai nosso, que estás nos céus.” E se ela ficasse só nestas seis palavras, já estaria completa.

Jesus acrescentou as outras como uma ampliação do pensamento. Se realmente aprendemos a dizer esta primeira sentença bem, não será necessário ir mais além.

A palavra “Pai” é uma definição de Deus. Para nós, é uma definição imperfeita, porque nós somos pais imperfeitos. Um certo pastor que trabalhava com meninos de uma favela disse que nunca podia se referir a Deus como pai. A palavra pai, para aqueles garotos, trazia à memória a figura de um homem constantemente embriagado, que batia na mulher.

Quando pensamos nesta palavra, associamos a ela todas as imperfeições de nosso pai.

Por isso, Jesus não podia usar a palavra “Pai”. Ele tinha mesmo que adicionar a expressão: “que estás no céus”. Ela não aparece aqui para indicar a localização de Deus, ou nos informar onde é que Deus reside.

Por alguma razão, nós já formamos a idéia de que o céu está bem longe de nós. Muitos de nossos hinos mais apreciados falam daquele “distante lar”, e pensamos também que Deus esta lá no lar distante. Se observarmos os ensinos de Cristo, veremos que tais conceitos são muito errôneos.

Deus esta tão próximo de nós como o ar que respiramos. Na realidade, este adendo “que estás nos céus” é uma descrição de Deus. O céu é sinônimo de perfeição. Jesus poderia ter dito: “Nosso Pai perfeito”, e teria sido a mesma coisa. E quando pensamos no termo “pai”, logo pensamos também em autoridade, e não em indulgência. Pelo próprio ato de reconhecermos que Deus é pai, nós nos colocamos na posição de filhos. E o pai tem o direito de autoridade sobre os filhos.

E é assim que submetemos nossa vontade à dele. Nossos atos são controlados não pelo nosso querer, mas pelo dele. Nós todos reconhecemos que Deus estabeleceu uma ordem moral. O homem não cria leis; ele simplesmente descobre os mandamentos de Deus. Quando obedecemos estes mandamentos, como dantes, nós vemos que “sua vontade é nossa paz”.

Por outro lado, deixar de reconhecer a soberania de Deus significa fracassar em todas as áreas da vida. Uma das igrejas valdenses tinha um selo cujo emblema era uma bigorna e vários martelos quebrados, circundados pelas palavras: “Malhai, mãos hostis! Vossos martelos se despedaçam; a bigorna de Deus permanece.” Enquanto não se puder dizer: “Pai”, é melhor não continuar a oração.

O vocábulo pai significa mais que regedor, legislador ou juiz; ele implica também num domínio exercido pelo amor, pois coloca a misericórdia bem no centro do julgamento. Como o amor gera o amor, nossa relação para com a atitude de Deus é a de uma verdadeira filiação, e não um sentimento de temor. Paulo explicou isto de maneira admirável:


“Porque não recebestes o espírito de escravidão para viverdes outra vez atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai.” (Rm. 8:15).


Mas “Pai celestial” não significa apenas autoridade e amor; significa também santidade. Certa vez, Isaías entrou no templo e ouviu os serafins cantando: “Santo, santo, santo é o Senhor dos exércitos.” Quando ele sentiu o impacto da imaculada pureza de Deus ficou consciente de sua própria imperfeição a ponto de clamar: “Ai de mim! estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros.” (Is. 6:5).

Por que e que fechamos os olhos para orar? Talvez seja para afastarmos de nossa mente o mundo exterior a fim de darmos toda a nossa atenção a Deus. Todavia a verdadeira oração abre nossos olhos.

Um grande hindu disse: “Por que vocês estão tão ansiosos para ver Deus com os olhos fechados? Vejam-no com os olhos abertos — em forma de pobres, famintos, analfabetos e aflitos.” Quando dizemos “Pai”, estamos reconhecendo nossa filiação a ele, mas também reconhecendo nossa ligação com os irmãos.

Um jovem veio ver-me recentemente. Ele passara dois anos na cadeia.

Parece que muitas vezes nós só enxergamos as vantagens da sociedade depois que somos afastados dela. Aquele jovem me disse: “Eu não ambiciono muita coisa. só quero ser aceito, ser parte do grupo.”

Ser parte do grupo é o que nós todos queremos. Dizer “Pai Nosso” significa remover todas as barreiras, colocando cada um de nós na posição de filho de Deus.

Esta primeira sentença do Pai Nosso sintetiza toda a vida crista. A palavra “Pai” expressa nossa fé. Ela não apenas demonstra que cremos em um Deus, mas também dá uma descrição dele. A expressão “nos céus” engloba todas as nossas esperanças. O vocábulo “céus” significa perfeição, e fala daquela qualidade de vida que todos os cristãos sinceros estão se esforçando para obter. Cristo disse: “Sede vós perfeitos como perfeito e o vosso Pai celeste.” (Mt. 5:48).

O homem nunca está satisfeito consigo mesmo. Está sempre lutando para subir ou avançar. Ele só aceita seus fracassos passados e atuais, porque espera melhorar no futuro.

Um amigo do escultor Willian Story estava observando seu trabalho, e perguntou-lhe: “De qual das suas obras você gosta mais?” O artista replicou: Eu gosto mais da próxima estátua que vou esculpir”.

A palavra “nosso” implica num amor que abrange todos. Sem essa idéia a oração é vazia. A religião não pode isolar o homem do seu semelhante, porque, se não pudermos dizer “irmão”, não poderemos dizer “Pai”.

Fé, esperança, amor — todas estas três virtudes estão incluídas nesta palavra.

Como nossa vida seria diferente se, ao orar, levássemos em conta todo o significado de “Pai Nosso, que estais nos céus”! Isto nos levaria a orar de joelhos, no nosso Getsêmani, completamente rendidos a vontade do Senhor. Nós sacrificaríamos a vida para servir o próximo e nos esforçaríamos para salvá-lo. Acima de tudo, isto traria Deus para dentro de nós.

Ai então, não importando o que pudesse acontecer, confiadamente, nós oraríamos como Jesus: “Nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc. 23:46). assim teríamos a certeza de que podíamos deixar nossa vida nas mãos de Deus, sabendo que nossas aparentes derrotas redundariam em glorioso triunfo, e que, dos túmulos da vida, brotariam ressurreições, e nós cantaríamos como o apóstolo:


“Onde está, ó morte, a tua vitória?

Onde está, ó morte, o teu aguilhão?...

Graças a Deus que nós da a vitória

por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo”

(1 Co. 15:55-57).



É rara a semana em que eu não tenho que dirigir um culto fúnebre no cemitério de Atlanta. Há dez anos atrás, foi o meu próprio pai que deixei ali, e hoje, quando vou lá, antes de sair, paro por uns instantes junto à sua sepultura, e penso nele. Sempre saio reconfortado.

Lembro-me de como ele foi bom para mim, e como ele deu tudo que tinha aos filhos, em coisas materiais. E não eram apenas roupas, alimentos e outras necessidades básicas, mas também bolas, tacos de beisebol, e outros brinquedos de que as crianças gostam. ele ficava feliz em nos tornar felizes. Lembro-me de como ele orava por nós, um por um. Sua voz está gravada em minha mente, e as palavras são as seguintes: “Senhor, abençoa Charles. Que ele seja um bom homem quando crescer”. “Abençoa Stanley”, dizia ele. “Abençoa o John, Grace, Blanche, Sarah, Frances....” E para cada um de nós havia um pedido especial.

De pé, junto ao seu túmulo, eu me lembrava de sua grande honestidade, de seus altos padrões morais, de sua humildade. Ele era bem pouco ambicioso; nunca queria muito para si mesmo. As casas pastorais em que moramos, geralmente eram próximas à igreja, e sempre havia gente batendo à nossa porta. Lembro-me de que ele nunca negava o auxílio solicitado.

Algumas vezes chego a me esquecer do tempo, quando fico ali pensando nele.

Assim, até certo ponto, eu compreendo bem porque Jesus nos instruiu para começarmos a oração dizendo: “pai nosso”. O Senhor Jesus, várias vezes, subiu a um monte para orar sozinho, e em muitas ocasiões, ele orou a noite a noite toda. Certa feita, ele ficou quarenta dias esquecido do tempo, esquecendo até de se alimentar. Ali, na quietude do lugar, ele pensava em seu Pai.

E ele nos diz que devemos orar do seguinte modo: “Pai nosso, que estás nos céus”! Não estamos pedindo nada a Deus, estamos, isto sim, abrindo o coração para um derramar da graça de Deus em nós.

Norman Vincent Peale conta que, em seu primeiro passeio ao Grande Canyon do Rio Colorado, ele falou com um senhor idoso que passara bastante tempo ali. Perguntou-lhe qual das excursões oferecidas lhe proporcionaria a melhor visão do “canyon”. O velho respondeu que, se ele realmente quisesse ver o canyon, não deveria fazer nenhuma daquelas excursões. Em vez disso, ele deveria ir para lá de madrugada, sentar-se à borda do barranco, e apreciar a paisagem; ver a manhã transformar-se em dia e o dia em tarde; contemplar as cores brilhantes transmudando-se no decorrer do dia. Depois, jantar rapidamente e voltar lá para ver o grande abismo ser envolvido pelo roxo do entardecer. Disse ainda que a pessoa que fica rodando pelo canyon acaba ficando exausta, e, na verdade, não vê a beleza e a grandeza do lugar.

Foi isto que o profeta disse a respeito de Deus: “Mas os que esperam no Senhor renovam as suas forças, sobem com asas como águias, correm e não se cansam, caminham e não se fatigam.” (Is. 40:31). Que significa “esperar no Senhor”? Significa pensar no Senhor, embora pensar não seja bem o termo. Talvez meditar expresse melhor esta idéia ou, talvez, ficar em contemplação. Como diz o salmista: “Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus.” (Sl 46:10).

Disse o pensador cristão: “enquanto o homem não encontra Deus, ele começa sem começo, e trabalha sem finalidade.” Assim, ninguém está preparado para orar enquanto não estiver totalmente tomado por pensamentos a respeito de Deus. Há anos, já, eu tenho visto muitas pessoas se ajoelharem no altar, ao final dos cultos. Várias delas me contaram das maravilhosas bênçãos que receberam em resposta a estas orações.

A razão por que estas orações são tão preciosas para elas, é que são feitas ao final do culto. Durante cerca de uma hora, elas ficam no templo, pensando na pessoa de Deus. Os hinos, a leitura da Bíblia, o sermão, as outras pessoas ao nosso redor cultuando a Deus — tudo isto contribui para nos aproximar de Deus. Assim, quando nos ajoelhamos para orar, nossa mente está condicionada na direção certa, todo o nosso pensamento está relacionado com Deus. Por isso, a oração é espontânea e verdadeira. Nossas palavras expressam exatamente nosso pensamento.

“Pai nosso, que estás nos céus”. quando estas palavras tomam corpo e realidade para nós, nós nos tornamos calmos e confiantes. É como diz o poema:


Disse o pintassilgo ao pardal:

“Gostaria muito de saber

Por que os homens são tão preocupados,

Inquietos e aflitos

Responde o pardal ao amigo:

“Meu amigo, eu creio que deve ser

porque eles não tem um Pai como nós,

que cuida bem de mim e de você.”


Bibliografia:

ALLEN, Charles. A Psiquiatria de Deus. Editora Betânia.