Getúlio Vargas no Palácio do Catete, em 31 de outubro de 1930
NÃO HOUVE UMA REVOLUÇÃO EM 1930
(Adaptado de Jacob Gorender)
Antes de mais nada, desejo me manifestar sobre essa expressão Revolução de 30, que se generalizou no jornalismo, na retórica e até nas teses acadêmicas. É uma expressão da qual eu discordo, porque não creio que tenha havido em 30 uma revolução, no sentido científico da palavra, isto é, uma transformação tão profunda que atingisse a base econômica da sociedade, varrendo relações de produção e instaurando novas relações de produção. Nem na esfera do Estado creio que tenha havido uma mudança tão radical quanto a derrubada de uma classe dominante antiga e a ascensão de uma nova classe revolucionária ao poder.
Mas isso não significa que eu considere que 30 foi uma página em branco na História do Brasil. Verificou-se, naquele ano, um movimento político-militar que marca um período, um antes e um depois, e no bojo do qual surgiram tendências, cujo desenvolvimento nós presenciamos até hoje. Penso que o movimento político-militar de 30 cumpriu, em primeiro lugar, uma função destrutiva de grande importância. Apeou do poder do Estado os proprietários rurais, os cafeicultores que dominavam a Primeira República e que, pelo estilo de governar e pela política econômica que imprimiam, já constituíam um estorvo ao desenvolvimento do país.
No seu lugar, ascende outro setor da classe dos proprietários rurais, uma composição de setores nos quais prevaleciam aqueles que tinham uma ligação maior, a meu ver, com o mercado interno e que, por isso, puderam mostrar-se mais sensíveis a um projeto de industrialização do país. Eles foram sendo ganhos para a industrialização capitalista, à medida que a própria burguesia industrial ganhava força e influência no aparelho de Estado, porque, evidentemente, eu não compartilho a ideia de que a Revolução de 30 foi uma revolução burguesa.
Referindo-me, especificamente, às consequências da Revolução de 30, ou do movimento político-militar de 30, na organização do Estado brasileiro, eu acredito que se poderia sumariar essa influência da seguinte maneira:
Em primeiro lugar, me parece que o movimento político-militar de 30 deixou completamente intocado o campo, onde viviam, naquela época, cerca de 70% da população brasileira. Não se tocou nas oligarquias rurais, como aconteceu com as salvações do governo de Hermes da Fonseca. As oligarquias aliadas à Primeira República foram postas abaixo e vieram à tona novas oligarquias. Os tenentes se compuseram com as oligarquias em todos os Estados. Nesse aspecto, então, o movimento não trouxe nada. Mas isso não significa que em outros aspectos ele não trouxe alguma coisa. Em primeiro lugar, a centralização autoritária. Não porque fosse uma ideologia dos próprios tenentes – e era de fato. Não porque o próprio Getúlio, com a sua formação positivista, castilhista e influenciado pelas ideias do fascismo italiano, tendesse para isso. Mas, porque as próprias exigências da época conduziram nesse sentido.
(Adaptado de: Jacob Gorender, Um Estado a serviço do capital, Folha de S.Paulo, 19/10/1980, Folhetim.)
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