Balanço anual do macro: estamos indo de mal a pior
Leonardo Boff 30/12/2012
“A realidade mundial é
complexa. É impossível fazer um balanço unitário. Tentarei fazer um atinente à
macro-realidade e outro à micro. Se considerarmos a forma como os donos do
poder estão enfrentando a crise sistêmica
de nosso tipo de civilização, organizada na exploração ilimitada da
natureza, na acumulação também ilimitada e na consequente criação de uma dupla
injustiça: a social com as perversas desigualdades em nível mundial e a
ecológica com a desestruturação da rede da vida que garante a nossa subsistência
e se, ainda tomarmos como ponto de aferição a COP 18 realizada neste final de
ano em Doha no Qatar sobre o aquecimento global, podemos, sem exagero dizer:
estamos indo de mal a pior. A seguir este caminho encontraremos lá na frente e,
não demorará muito, um “abismo
ecológico”.
Até agora
não se tomaram as medidas necessárias para mudar o curso das coisas. A economia
especulativa continua a florescer, os mercados cada vez mais competitivos –o
que equivale dizer – cada vez menos regulados e o alarme ecológico
corporificado no aquecimento global posto praticamente de lado. Em Doha só
faltou dar a extrema-unção ao Tratado de Kyoto. E por ironia se diz na primeira
página do documento final que nada resolveu, pois protelou tudo para 2015:”a
mudança climática representa uma ameaça urgente e potencialmente irreversível
para as sociedades humanas e para o planeta e esse problema precisa ser
urgentemente enfrentado por todos os países”. E não está sendo enfrentado. Como
nos tempos de Noé, continuamos a comer,
a beber e a arrumar as mesas do Titanic afundando, ouvindo ainda música. A Casa
está pegando fogo e mentimos aos outros que não é verdade.
Vejo duas
razões para esta conclusão realista que parece pessimista. Diria com José
Saramago: ”não sou pessimista; a realidade é que é péssima; eu sou é realista”.
A primeira razão tem a ver com a premissa falsa que sustenta e alimenta a
crise: o objetivo é o crescimento material ilimitado (aumento do PIB),
realizado na base de energia fóssil e com o fluxo totalmente liberado dos
capitais, especialmente especulativos.
Essa premissa está presente em
todos os planejamentos dos países, inclusive no brasileiro. A falsidade desta
premissa reside na desconsideração completa dos limites do sistema-Terra. Um planeta
limitado não aquenta um projeto ilimitado. Ele não possui sustentabilidade.
Aliás, evita-se a palavra sustentabilidade que vem das ciências da vida; ela é
não-linear, se organiza em redes de interdependências de todos com todos que
mantem funcionando todos os fatores que garantem a perpetuação da vida e de
nossa civilização. Prefere-se falar em desenvolvimento sustentável, sem se dar
conta de que se trata de um conceito contraditório porque é linear, sempre
crescente, supondo a dominação da natureza e a quebra do equilíbrio
ecossistêmico. Nunca se chega a nenhum acordo sobre o clima porque os poderosos
conglomerados do petróleo influenciam politicamente os governos e boicotam
qualquer medida que lhes diminua os lucros e não apoiam por isso as energias
alternativas. Só buscam o crescimento anual do PIB.
Este modelo está sendo
refutado pelos fatos: não funciona mais
nem nos países centrais, como o mostra a crise atual nem nos periféricos. Ou se
busca um outro tipo de crescimento que é essencial para o sistema-vida, mas que
por nós deve ser feito respeitando a capacidade da Terra e os ritmos da
natureza, ou então encontraremos o inominável.
A segunda razão é mais de
ordem filosófica e pela qual me tenho batido há mais de trinta anos. Ela
implica consequências paradigmáticas: o resgate da inteligência cordial ou
emocional para equilibrar o poderio destruidor da razão instrumental,
sequestrada já a séculos pelo processo produtivo acumulador. Com
nos diz o filósofo francês Patrick Viveret “a razão instrumental sem a
inteligência emocional pode perfeitamente nos levar a pior das barbáries”(Por
uma sobriedade feliz, Quarteto 2012, 41); haja vista o redesenho da humanidade,
projetado por Himmler e que culminou com a shoah, a liquidação dos ciganos e
dos deficientes.
Se não incorporarmos a
inteligência emocional à razão instrumental-analítica, nunca vamos sentir os
gritos da Mãe Terra, a dor das florestas abatidas e a devastação atual da
biodiversidade, na ordem de quase cem mil espécies por ano (E.Wilson). Junto
com a sustentabilidade deve vir o cuidado, o respeito e o amor por tudo o que
existe e vive. Sem essa revolução da mente e do coração iremos, sim, de mal a
pior.”
Veja meu livro: Proteger a Terra-cuidar da vida: como
evitar do fim do mundo, Record 2010.
Conheça o site http://leonardoboff.wordpress.com/
0 comentários:
Postar um comentário